Histórias e mistérios do morro dos Ingleses

        O morro dos Ingleses é um local perfeito para divagações da mente. Observar imponentes guardiões pétreos, que se demonstram aqui e ali; adentrar cavernas misteriosas; interpretar antigas inscrições gravadas em pedras negras; sentir o poder do oceano nas ondas com gigantesca energia; ouvir a música, quase sinistra, tocada por um vento sul não menos poderoso; trilhar incríveis costões! É impossível cruzar os caminhos daquele morro sem aguçar o pensamento, sem transbordar de emoção! Até mesmo aquelas almas acostumadas com belezas, viciadas em adrenalina, sofridas pelas imposições da natureza, curvam-se reverenciando o lugar.

        Por alguns anos, desde quando cheguei em Florianópolis, fiquei restrito a essa pequena porção de terra ao sul da praia dos Ingleses. Eventualmente escapando um pouco mais para o norte, no morro das Feiticeiras; ou sendo levados pelos caminhos do próprio morro dos Ingleses até a praia do santinho e ao Morro das Aranhas. Pela proximidade da minha casa, o local virou meu escritório de viagens, refúgio para meditar, local para praticar esportes. Assim fui descobrindo coisas interessantes; quanto mais eu circulava por lá, mais vontade dava de regressar; sair dos caminhos convencionais para procurar coisas sem ao menos saber o que procurava.

        Lá experimentei o primeiro rapel em terras manezinhas, meu primeiro acampamento e minha primeira desorientação geográfica, que me deixou perdido umas três horas, sem conseguir encontrar o caminho de volta, zanzando por uma vegetação que insistia em dificultar as coisas. Essas primeiras experiências, algumas um tanto perturbadoras, despertaram a minha paixão pelo morro. Óbvio que depois de tantas atividades por lá eu teria que me expandir para outros rincões! Foram tantos encantamentos que encontrei nessa ilha, que as trilhas tão batidas por mim, apagaram meus rastros, mas não ficaram no esquecimento.

        O morro dos Ingleses é cheio de surpresas!  Tem muito para contar sobre a história da ilha. Do antigo ao moderno, existem marcas indeléveis da passagem humana. Em toda parte, naquele morro, encontramos sítios líticos,  com petróglifos estampados nas pedras e monumentos megalíticos intrigantes. Existem caminhos que parecem cicatrizes na terra. feridas feitas pelos cascos das tropas de mulas, que carregavam suas pesadas cargas, em sofrimentos compartilhados pelos escravos que as conduziam, trazendo matéria prima para os engenhos ou pedras e materiais necessários para as construções.

        Antes de entrar na trilha do "Caminho do Engenho" nos deparamos com uma importante oficina lítica. As pedras banhadas pelo mar são testemunhas silenciosas, que ali, num tempo muito antigo, foram realizados inúmeros trabalhos manuais, a fim de polir ou afiar ferramentas e utensílios.
        Depois, seguindo pela trilha rumo à ponta norte do morro, encontramos marcas mais recentes. Um Sítio histórico caracterizado pelas estruturas remanescentes de um antigo engenho de açúcar. Da construção em pedras argamassadas restam apenas vestígios das paredes externas e uma estrutura interna que poderia ser um forno. Estes complexos, possuíam edificações para a moagem de cana de açúcar, locais para transformar o caldo em melado e rapadura, capela, casa para os proprietários e a senzala para os escravizados. Não consegui informações precisas  sobre o Engenho do Morro dos Ingleses; as primeiras mudas de cana de açúcar chegaram no Brasil vindas de Portugal em meados do século XVI. Os portugueses já possuíam técnicas de plantio, pois a cultivavam e fabricavam o produto na ilha da Madeira e nos Açores. Em 1675, Francisco Dias Velho, com filhos, criados e escravos, fundou o povoado de Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. Sabe-se também que Dias Velho foi o responsável pela captura de um navio com tripulantes ingleses, que acabou dando origem ao nome da praia. 
    - O capítulo de livro “Praia dos Ingleses 1: Arqueologia subaquática na Ilha de Santa Catarina, Brasil (Parte 2)”, escrito pelos pesquisadores Francisco Silva Noelli, Patrícia Cardoso Monteiro e Alexandre Viana, esclarece o mistério envolvendo o barco naufragado na Praia dos Ingleses. De acordo com os pesquisadores, diversas fontes apontam para “um barco espanhol, navegando solitário e com oito ingleses a bordo, desgarrado do grupo de Edward Davis em 1686 e que pretendia retornar ao Oceano Atlântico”. O ponto de partida dos pesquisadores foi o livro “Nobiliarquia Paulistana”, de Pedro Taques, que citava o pirata Thomas Frins, preso na ilha de Santa Catarina no final de 1687. 
    Segundo essa obra, Thomas Frins era um pirata inglês que, junto com o seu grupo, saquearam as terras da coroa espanhola no Panamá, em Callao, na “barra da Ponta” e no Porto de Santos. Antes de parar naquela que seria chamada de Praia dos Ingleses, o barco de Frins se separou da frota nas imediações de Callao. Depois de procurar o restante da frota, Frins e seu grupo guerrearam no Porto de Santos. Eles ficaram “destruídos” após a batalha, sobrevivendo apenas Frins e mais sete homens. Segundo o resgate feito pelos pesquisadores, “necessitando de água e reparos”, eles chegaram até a ilha de Santa Catarina. Nesse momento, em 1687, eles foram aprisionados por Francisco Dias Velho, que “inventariou e confiscou a carga” que os piratas traziam, além de prender a tripulação do navio. E essa é a história da embarcação e dos tripulantes que ajudaram a dar o nome para a Praia dos Ingleses.
     Muito pouco resta das estruturas do velho engenho no Morro dos Ingleses

          Depois do velho engenho a trilha se bifurca diversas vezes. Gosto de fazer todo o contorno do morro. Seguindo paralelo ao costão oeste até chegar, depois de algumas dificuldades, na Ponta Norte do Morro. Neste ponto os megálitos e outras formações começam se destacar. Quase na ponta Norte, no  lado leste do costão, existe uma interessante formação, conhecida como: "Pedra do Gambá" - Trata-se de um enorme bloco granítico de formato quase elíptico, achatado na base, encimado por um bloco menor também de granito. O conjunto lembra a figura de um "Gambá". Encostado na formação tem outro bloco menor, semelhante a um obelisco. O interessante nessa estrutura é que toda a perfeição do equilíbrio ocorre num plano inclinado.

                Seguindo para o sul, por esse costão íngreme, encontraremos diversas formações. Destaco o "Templo das esculturas"  - Um pequeno recanto de pedras brancas, onde é possível observar diversas esculturas naturais. Fica escondido, o trilheiro desatento passará ao largo sem perceber aquela maravilha. As formações se destacam pelo cor branca, emprestada pelo acumulo de algum mineral, talvez calcário, sobre o granito.
            Poucos metros adiante tem a "Pedra Redonda" - Outro Megálito interessante, com sua forma arredondada repousando num plano inclinado.

            Continuando para o sul o caminho fica cada vez mais difícil. Paredões íngremes, Canions, cavernas, mais formações. Tem de tudo um pouco. Para facilitar os deslocamento, escala-se uma parede íngreme, embora não muito alta, a fim de acessar outra trilha, que corta o morro de oeste para leste, a partir de uma bifurcação próxima do Engenho citado anteriormente. Termina em um local denominado "Ponta do Barcelos". Destaca-se ali  "Pedra da Guarita" - Uma impressionante formação granítica com quase 20 metros de altura. Constantemente açoitada pelo mar, propicia uma paisagem vigorosamente rude e bela!

            Mas ainda não terminou! Continuando rumo ao sul encontraremos cavernas maravilhosas e também muitos obstáculos difíceis de serem superados. É possível continuar pelo costão, através de dos paredões quase verticais. As forças oceânicas aumentam ainda mais o perigo. Conforme as condições do vento e da maré, ondas gigantes açoitam o costão, impedindo a travessia segura. Melhor é retornar um pouco na trilha, seguindo por outro caminho na parte mais alta do morro, até encontrar a trilha do "Caminho da Grota", através dessa trilha podemos chegar em duas cavernas interessantes. A "Furna do Santinho" e a Encantada". A primeira de muito difícil acesso, recomendo que usar técnicas de rapel para acessar. A segunda é um pouco mais fácil, mas também me utilizo do rapel por segurança.
      Caverna Encantada

            É impossível explorar o Morro dos Ingleses em um único dia. Existem diversas trilhas pelo topo e pelo flanco oeste. Locais para a prática de rapel e escalada nos seguintes locais: "Pedra Da Coruja" e Pedra da Porca". Mas não termina aqui meu relato! o que mais impressiona é um sítio arqueológico, mais ao sul. Quase na praia do Santinho. É um local para exercitar a mente. Dezenas de inscrições rupestres estão se perdendo pela ação do tempo, sem que haja interesse pela preservação.
            Algumas inscrições formam enormes painéis, alguns em planos bem altos.  Seriam marcações de tempo? ou algum outro tipo de contagem?  o que significam aquelas marcas em formas triangulares, esféricas ou apenas traços verticais completados de tanto em tanto por outro traço um pouco mais longo? São tantas formas, tantos desenhos e esculturas, que num determinado momento já não se sabe o que é natural ou não. Pela quantidade de inscrições encontradas por lá, suponho que próximo dali habitavam seres humanos que viveram em época muito remota e formavam uma comunidade relativamente grande.













        A ilha da magia é cheia de encantos, o Morro dos Ingleses é apenas uma atração entre dezenas de outras opções. Por onde andarmos, do norte ao sul, do leste ao oeste, este "pedacinho de terra no meio do mar", sempre irá nos surpreender.

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Comentários

  1. Mais uma vez tu me encantou com sua narrativa cheia de detalhes e informações preciosas para quem quer conhecer nossa amada ilha de Florianópolis Parabéns querido amigo! 👏😍

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  2. Gratidão amiga! Estamos juntos nessa caminhada!

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