Trilhando em Floripa - Desbravando o Morro da Virgínia

    Talvez o Morro da Virgínia seja um dos lugares menos conhecidos da Ilha, não pela dificuldade de acesso, antes pela falta de informações sobre o local. Quase não há interesse de grupos de trilhas em conhecer os recantos escondidos deste morro. Apresento aqui algumas descobertas encantadoras que fizemos por lá.
                          Em 12 de abril de 1980 um 727 da Transbrasil bateu neste local.

            O morro da Virginia se tornou conhecido depois do acidente aéreo de 12 de abril de 1980, quando um 727 da Transbrasil chocou-se contra uma pedra numa altitude de 300 metros. O vôo 303 havia partido de Fortaleza com destino a Porto Alegre. Voando sob forte tempestade preparava-se para fazer escala em Florianópolis. Na época foi considerada  a maior tragédia da aviação brasileira em território nacional. Estivemos recentemente visitando este local procurando cavernas e outros recantos. A vegetação primária tomou conta do local onde o avião explodiu e causou grande incêndio. Não existem árvores altas nesta área, e a vegetação rasteira, nem tão rasteira assim, tornou-se quase intransponível. Cipós com espinhos e acúleos, capim cortante como navalhas, samambaias gigantes tornaram o local um inferno para os desbravadores. Cobras, aranhas, lagartos, rãs e pererecas são os habitantes mais comuns. De vez em quando é possível ouvir tucanos com seu canto estridente, sinalizando do topo de árvores altas ao redor da área do sinistro. Não estávamos longe da civilização, mas o sentimento de solidão era forte. Parecia o fim do mundo; longe de tudo e de todos. Marino e Eu, os dois perdidos naquele inferno, experimentávamos sentimentos dúbios, entre emoção e cansaço pelo excesso de esforço físico. Nossos corpos sofridos continham todos os tipos de marcas; picadas de insetos que nem sequer podíamos imaginar como conseguiram nos picar em locais tão dolorosos e protegidos. Os braços lembravam um couro de jaguatirica, riscados em toda sua extensão, mãos calejadas, roupas encharcadas pelo suor, cara e pescoço vermelhos como pimentões. Mas o rosto mantinha uma expressão alegre, um sorriso de Monalisa que demonstrava a paz que sentíamos.

     
          Uma semana antes havíamos feito uma exploração primária na região, naquele dia nos acompanhou a Claudia Clock, uma jovem trilheira que chegou a pouco no grupo WAF Trilhas e Aventuras. Mostrou fibra e coragem encarando aquele desafio com bastante naturalidade. Neste dia atacamos o cume do morro e nos deparamos com incríveis formações rochosas, lindos platôs e grotas muito sinistras. Algumas rochas mais altas conseguimos escalar e fomos privilegiados com uma indescritível vista, principalmente do norte da ilha e do vale de Ratones. É incrível a quantidade de morros que foi possível avistar. Existem quatro grandes formações rochosas no topo do morro da Virginia, por isso batizamos o local com o nome de "Quatro picos".
             
                     Mas foi na terceira investida que as descobertas mais incríveis aconteceram! Pretendíamos atingir um local que havíamos visualizado pelo Google Earth; na realidade eram três pontos equidistantes em meio aquela densa vegetação. Formavam um incrível triângulo equilátero com 120 metros de lado. Quando ampliávamos a foto no limite do distinguível antes que virasse um borrão, parecia que ali existiam construções em formato de torre, aliás no ponto principal, lembrava a torre Eiffel. Isso havia atiçado demais nossa curiosidade. No dia anterior, conforme descrito no inicio deste relato, travamos na região onde o avião caiu; não foi possível progredir mais naquele terreno bandido. Foi preciso escapar daquele emaranhado maluco de vegetais e cobras, antes da noite. Continuamos então no outro dia a busca pelo local que havíamos batizado de templo perdido. Mal sabíamos o que nos esperava! À todas aquelas dificuldades do dia anterior foram acrescentadas outras mais terríveis ainda. Tínhamos apenas a linha orientativa do GPS, mas não existia caminho. Foi preciso abrí-lo! Quase desistimos, lembrando do sufoco que havíamos passado no dia anterior. A teimosia e a curiosidade foram mais fortes! Facão em riste, começamos picar aquela vegetação medonha; não era possível ver o chão onde pisávamos. Existiam boçorocas enormes e era preciso muito cuidado para não sofrer uma queda perigosa. Abrimos uns setecentos metros de picada e fomos picados por quase todos os tipos de insetos. Pelo menos era o que parecia para nós!

             Quando vencemos aquela brutal vegetação chegamos a uma antiga estrada que provavelmente foi aberta quando construíram a rede de alta tensão que cruza por todos aqueles morros. A torre de AT que atingimos tinha o número 39. Seguimos um pouco adiante dela procurando um desvio pela mata mais alta, pois logo adiante era uma propriedade particular e não tínhamos autorização para entrar. Miramos pela bússola do GPS o ponto a ser atingido e adentramos na mata. Com poucos metros de avanço escutamos murmúrio de água; logo nos deparamos com um riacho de águas cristalinas, lindo! Resolvemos então fazer uma pausa para descansar e lanchar, ali, naquele lugar de tanta paz. Ficamos quase uma hora, contemplando em silêncio, aquele presente que a natureza havia nos dado.

               Energias recuperadas através das forças telúricas seguimos em frente. Mais apertos com a vegetação e com formações rochosas nos obrigando a fazer desvios, aumentando o percurso de forma dramática. Mas o pior eram as "línguas de sogra", aquele capim do demônio gruda em tudo e corta sem pena o couro do vivente. Eram imensas touceiras daquela praga; por onde quer que andássemos! Seguimos nossa batalha contra as adversidades. De repente o GPS apitou! Chegamos no nosso templo! Que desilusão... embora a paisagem fosse bela o que havíamos imaginado na foto não se parecia em nada com o que nos deparamos. Encontramos uma enorme parede de granito na encosta do morro. Esta face rochosa muito inclinada, recortada por vegetação e repleta de musgo dava a aparência da nossa torre Eiffel na foto do Google Earth. Tanto sacrifício por nada, sentamos na sobra para descansar e comer alguma coisa, muitas risadas de nós mesmos! Cansados pensamos em voltar, pois imaginamos que os outros dois pontos do triângulo eram formações semelhantes. Mais uma vez prevaleceu o espirito de aventura, afinal eram apenas 120 metros do próximo ponto, não custava dar uma olhada. Olhamos para o aclive que nos esperava, visualizamos as touceiras de língua de sogra, respiramos fundo para criar coragem e partimos sem pensar muito. Desvio para a esquerda e desvio para a direita, por conta das formações rochosas e da vegetação, os 120 metros acabaram virando seiscentos! Mas quando a última touceira foi derrubada pelo facão, nossos olhos vislumbraram um jardim do Éden. Mal podíamos conter a emoção. Era uma enorme formação rochosa por onde corria outro riacho de límpida e refrescante água, precipitando-se numa cachoeira maravilhosa, não muito alta é verdade, porém muito linda. Não questionamos mais nada, apenas começamos a explorar o local como loucos, um para cada lado. Cheguei então no terceiro ponto do triângulo, outra cachoeira, porém quase não escorria água por ela. Imagino que em outras condições, em épocas de muita chuva ela fique majestosa.
                                                       Assista o vídeo 

              E assim em meio a toda esta emoção não percebemos que já eram quase  dezessete horas! Estávamos longe e não poderíamos seguir a trilha de retorno à noite. O jeito foi abandonar o paraíso, mas pensando em voltar. O que será que nos aguarda no curso daquele rio se o seguirmos em direção à Costa da Lagoa? A fantasia já foi criada agora é só escolher a data apropriada e fazer o desbravamento. Ficamos imaginando quanta coisa escondida deve haver naquele morro. Pressentimos que haverá muita aventura por lá. Compreendo também que muitos pensarão que somos loucos, ou coisa parecida, a verdade é que só um espírito aventureiro consegue interpretar outro. Dedico esta narrativa a todos os aventureiros de plantão. A vida é muito mais do que compromissos sociais e progresso material, é muito mais do que prantos ou risos. É um sonho com matizes sonoras, um canto de alegria e gratidão!
                                                       Assista o vídeo


Comentários

  1. Foi um dos dias mais emocionante para mim
    Obrigado kako pela cia, grande companheiro de aventuras.

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