Causos do Urubucaru - A seca da fronteira oeste

              Nestas andanças que fiz pelo meu Rio Grande,  vivenciei muitas aventuras e acontecimentos engraçados.  São pedaços de vida encravados na memória que, as vezes, ouso contar para os amigos. Muitos não acreditam. Acham que estou exagerando ou contando piadas.  Mas não... é a pura realidade! Quem sai de uma grande cidade com disposição de vagar pelos remotos sertões, ou com interesse de conhecer a vida social das pessoas simples,  que moram em pequenas cidades ou comunidades com meia dúzia de habitantes;  entenderá o que digo.  Certa ocasião quando eu me deslocava de carro, do Urubucaru para Uruguaiana, uma destas cenas engraçadas se apresentou para mim ao vivo e a cores. 

                               
                                                        Ruinas de São Miguel das Missões - RS

        Não lembro bem a data mas era final dos anos 90 talvez o comecinho do novo século,  pouco importa a cronologia. Naquele tempo eu era concessionário técnico da Xerox do Brasil S/A. Com frequência eu me deslocava para a fronteira oeste, pois haviam clientes em todas aquelas cidades e até em algumas pequenas comunidades que eram distritos daqueles municípios.  São Luiz Gonzaga, Garruchos, São Borja, Itaqui, Uruguaiana, entre outras,  faziam parte dos meus roteiros.
      Nesta ocasião que vos falo estava ocorrendo uma estiagem muito grande. Já estávamos a mais de trinta dias sem chuvas. A paisagem da região mudou bastante. Foi um grande prejuízo para a agricultura e pecuária.  A paisagem era um cenário caótico! Os que conhecem aquela região sabem o quanto é monótono dirigir naquelas estradas retas e despovoadas. Longos trechos de estrada sem encontrar uma viva alma ou pelo menos um posto de combustível. Eu já havia percorrido metade do caminho,  recém havia passado da entrada de São Borja e iria encarar mais duzentos quilômetros de monotonia até Uruguaiana.
      De repente; visualizo um casal pedindo carona. No meio do nada! Não pensei duas vezes... Parei. Afinal tudo o que eu queria era ter alguém com quem conversar. Distrair um pouco e até me informar de alguma novidade. Veiculo parado, abro o vidro da janela direita do meu Verona, e um gaúcho, pilchado a capricho, mete a cara pra dentro e pergunta:
- o amigo vai até Itaqui?
Respondi que sim,  enquanto fui abrindo a porta e baixando o encosto do banco do caroneiro para que eles entrassem.  Eu louco por uma prosa! Faço aqui uma pequena pausa para descrever os insólitos personagens que tinham acabado de me abordar: o homem vestia uma bombacha larga, mas imagine uma bombacha larga! Acho que precisou quatro metros de pano para cada perna. Muito bem confeccionada diga-se de passagem.  Toda plissada e na cor azul marinho. As botas do vivente eram daquele tipo gaitinha, já em desuso, tem esse nome porque o cano da bota parece o fole de um acordeom. A camisa era do tipo campeira, e não tinha botões. A abertura em forma de V, se estendia da base do pescoço até ponta do osso do peito; era fechada com tentos de couro tirados a capricho.  No pescoço um lenço de seda colorado,  preservando  assim o ideal "maragato". Um chapéu preto, de feltro, com aba bem larga, tapeado na testa de tanto beijar santo em parede tendo a copa circundada por uma vincha de couro trançado. No cinturão com guaiaca estava atravessada a faca carneadeira, cuja bainha tinha um trançado de tentos de couro com um botão na ponta, também de couro, que era abotoado numa presilha costurada na bainha. Este procedimento deixava a bainha da faca bem presa no cinturão. Apoiado na orelha direita ele trazia um palheiro fechado a capricho.
    A mulher, acredito que deveria ser a esposa do gaudério, vestia uma indumentária extremamente simples, um vestido de algodão desprovido de qualquer adorno. Parecia que ela estava vestindo um saco de farinha. Mas o que me chamou atenção foi a magreza da mulher.  Sequinha, esturricada, embora ela não fosse feia, dava uma péssima impressão dentro daquele vestido saco; que parecia ampliar a magreza da pessoa.
   Logo que a dupla se acomodou, ela no banco traseiro, ele no dianteiro,  comecei a puxar assunto.  Tão necessitado que eu estava de um bate papo para quebrar a monotonia da estrada. Por conta estiagem horrível piorava a monotonia naquela tétrica a paisagem.  Cada conversa que eu incentivava era respondida com um sim ou não, seguida de um mutismo mórbido. 
                                        O Urubucaru é um distrito de São Miguel das Missões

      A finalidade daquela carona era alegrar um pouco a viagem, tornar mais divertida aquela monotonia da paisagem castigada pela seca... Que nada! O homem não tinha assunto e a mulher acho que nem respirava. Cansei de puxar conversa sem resultado. Acabei ficando em silêncio, dirigindo e contemplando, com certa tristeza a paisagem lúgubre. 
    O tempo passou; a cidade de Itaqui estava próxima, mais alguns minutos e estaríamos lá. Naquela região tem muitas barragens, pois é uma região produtora de arroz irrigado. Passamos por uma destas barragens enormes e praticamente não tinha água.  Apenas um lodo fétido e carcaças de animais mortos. Me impressionei com aquilo e falei num tom dramático para o caroneiro:
- Até onde vai essa seca?
Ele me deu uma encarada estranha, como se tivesse ficado zangado repentinamente.  Olhou pra mim com aquela seriedade e lascou:
- Essa seca vai comigo até Itaqui! 
 Bah!  Daí compreendi tudo e encerrei com chave de ouro aquela tentativa de diálogo.  Me segurei como pude para não rir. Felizmente logo chegamos ao destino deles. Me despedi dos caroneiros seguindo rumo a Uruguaiana.  Foram cem quilômetros dando risada,  nem percebi se a paisagem era monótona. 
       Acreditem se quiserem,  pois foi fato verídico e não tenho ninguém, além daquele casal que nunca mais vi, para servir de testemunha.

Comentários

Postar um comentário

Ajude no aprimoramento deste blog. Inscreva-se e deixe aqui seus comentários e sugestões!

Postagens mais visitadas deste blog

Inquietudes

Luz e encanto

Brindemos o amor

Mensagem de natal

Descobrindo Naufragados

Explorando a Caverna Ocos

Explorando a Caverna Emaranhado

Um sonho realizado

Acampamento Selvagem