A irracionalidade na era da razão

        Uma piada muito antiga conta que um cientista de determinada nacionalidade (a qual não ouso revelar a fim de não causar polêmica), durante muitos anos dedicou-se ao adestramento de baratas, a fim de que elas aprendessem obedecer a um comando de voz. O estudioso usou todas as técnicas, até então conhecidas, utilizadas por adestradores para o condicionamento de animais. Foi uma experiência bastante simples: Resumia-se em dar um comando de voz para que a barata se colocasse em movimento e outro comando para que ela parasse. Assim o cientista atribui à palavra "andar" o comando para que a barata se movimentasse e à palavra "parar" o comando para que ela cessasse o movimento. Com muito treinamento e dificuldade o pesquisador obteve êxito em sua experiência. "Andar"- ele pronunciava de maneira clara e entonada como uma ordem! O inseto punha-se em deslocamento rápido e preciso. "Parar" - com a nova pronúncia a baratinha ficava estática. Várias e várias vezes repetiu o experimento, sempre com sucesso. Então, um dia, teve a ideia de retirar uma das pernas da barata e praticar os comandos com a bicho mutilado. "Andar" - o pobre inseto movia-se um tanto esquisito, meio capenga. "Parar" - o artrópode estancava, meio dolorido eu suponho. Dando continuidade à pesquisa foi então amputando o inseto. Retirou mais uma perna e exercitou os comandos. A barata mutilada cada vez respondia mais lentamente ao comando a qual fora condicionada. "Andar" precisava ser repetido várias vezes na medida que o inseto era despojado de mais um de seus membros locomotores. Até que foram retiradas todas as pernas do pobre invertebrado. Insistentemente o dedicado cientista comandava, horas a fio: "ANDAR" - e nada. O bicho não se mexia! Depois de tanto insistir, estudando as relações de causa e efeito, o pesquisador chegou a uma conclusão genial. Reviu todas as suas anotações e publicou uma tese que defendeu arduamente: "A barata quando amputadas de todas as suas pernas fica surda".

          Esta história, um tanto engraçada e absurdamente ridícula, serve de ilustração para o que acontece conosco na sociedade que vivemos. Convivemos com vários grupos de pessoas. O grupo familiar, os colegas de trabalho, companheiros das atividades esportivas, amigos próximos e distantes. Enfim, uma infinidade de relacionamentos humanos dentro da sociedade. Estabelecemos com estes grupos regras de convivência e, de maneira geral, vivemos de acordo com estas regras, que aliás, são extensivas aos gestores da política e da economia que administram o país. Somos condicionados, limitados, despojados muitas vezes de nossas próprias vontades para que a sociedade evolua continuamente. A cada instante somos submetidos a duras provas. As dificuldades parecem sempre mais numerosas que as facilitações! Cada um reage e se comporta perante os revezes conforme sua cultura, seu temperamento ou conhecimento da situação. Não existem duas pessoas iguais, que combinem exatamente em todas as formas de pensar e agir. Penso que a maior dádiva da convivência é, justamente, esta diversidade de pensamentos. Todavia o reconhecimento desta grandeza individual que cada pessoa carrega não é fator preponderante dentro dos círculos sociais. Estamos sempre julgando e sendo julgados pela capa das nossas ações. Parece um ato normal. Julgar é importante; ajuda a estabelecermos nossos parâmetros de vida, mas a questão é: Julgamos com base em que? Os critérios adotados neste tribunal onde nossos semelhantes são os réus, nos separa em dois grupos de jurados. De um lado aqueles que se posicionam como o cientista louco da ilustrativa história, deduzem coisas a respeito do outro, sem que conheçam a essência do ser ou a realidade científica da vida. Não costumam avaliar os motivos das ações alheias, avaliam apenas as ações em si, resultando quase sempre em falhas gritantes nos conceitos formados. Por estes critérios muitos gênios em tenra idade foram descartados e deixados de lado por serem considerados imprestáveis, ou tiveram suas brilhantes ideias tidas como alucinações ou mero alvo de chacotas. Beethoven, Einstein, Thomas Edison, Darwin, Tesla, entre outros famosos, passaram por este crivo. Alguns foram brutalmente mutilados! Um cientista não pode conduzir suas experiências tentando adaptar os resultados às suas convicções. Ele precisa ter a mente aberta para o novo, para o imprevisível, caso contrário todo o seu trabalho pode ser arruinado pelo preconceito.

 

           De outro lado, divididos nitidamente dos primeiros, encontra-se o segundo grupo de jurados. São aqueles que acreditam em tudo que os outros dizem, principalmente se a fonte de informação for uma grande rede capaz de manipular a opinião pública. De certa forma são como as baratas mutiladas da piada. Não possuem pensamentos próprios! com facilidade aceitam os rótulos e, com a mesma imperícia, rotulam seus semelhantes. Como jurados detém certo poder decisório sobre as ações que julgam, mas suas decisões, quase sempre, são injustas e patéticas, pois as mutilações não lhes permitem agir com isenção e inteligência.

          É evidente que numa sociedade complexa e com tantos desníveis culturais existam grupos diferenciados. Aqueles que utilizam a lógica em suas deduções, ao mesmo tempo que dão voz ao coração. Preconizam a tolerância ao invés do ódio, estimulam a dialética como forma de entendimento, primam pelas liberdades individuais e abstém-se de julgamentos apressados. Tanto quanto os demais, permeiam todos os setores da sociedade. Por infelicidade estão em minoria! Esta deficiência de participação das mentes aguçadas e prósperas, no desenvolvimento social, gera conflitos gigantescos em todos os setores. Polarizam-se as massas e prevalece o radicalismo. Na política, na religião, no esporte. Radicais de direita e de esquerda se nivelam pela ignorância e ódio, afinal, nada pode ser mais parecido que os extremos de uma ferradura. Neste caldeirão efervescente de paixões diversas, cozinha-se as esperanças de um povo, com temperos de ódio, intolerância, preconceito e uma dose gigantesca de incapacidade para o diálogo. Pior, resumem-se os problemas sociais como se vivêssemos apenas de política, religião e futebol, apresentam-se ideias mirabolantes e idiotizadas pelo estímulo à vingança em detrimento da justiça. Governantes são estimulados pela ganância do poder, conduzindo a plebe pela astúcia e não pela inteligência. Nas disputas maculam-se nomes e vidas, distorcem-se contextos, sem a mínima preocupação com a verdade e a ética. Enaltecem Milton Friedman, criminalizam Marx, mas, profundamente, não conhecem a ideia de nenhum deles. Julgam o livro pela capa, sem sequer ter lido, ao menos, a contracapa.  Conduzem a sociedade como boiadeiros sem experiência conduzem uma boiada, prestes a estourar. É impossível gerir uma família, um negócio e muito menos um país, se não houver preparo técnico e consciência coletiva. Vivemos em sociedade, não somos ermitões conduzindo nossas vidas. Também não se pode conduzir experiências sociais, mutilando quem faz parte desta mesma sociedade.

    Vivemos uma era de irracionalidade, onde o ódio e preconceito estão disseminados por toda parte, tendo como cumplice pela desinformação, a grande mídia. Os bons cidadãos, as pessoas realmente de bem, os racionalistas e iluministas estão perdendo a voz e a vez. Alguns preferem se retirar dos debates, deixando as coisas fluírem sem interferir no processo.    Como se a ausência de palavras ou ações sábias e coerentes pudesse, de alguma forma, contribuir para a melhoria das condições de vida. Como diz o popular ditado: "Para a vitória do mal, basta que as pessoas de bem nada façam." Não é possível tapar o sol com uma peneira, nem imaginar que a não participação, trará benefícios. Muitas pessoas se comportam como moradores de um condomínio que, para não ter incômodos, deixam de participar das reuniões decisórias. Depois se queixam do que foi decidido na reunião. Julgam o síndico conforme o grau de amizade, ou de afinidade com os pensamentos dele. Idolatram o responsável pela administração condominial como um mito que não deve ser cobrado, ou criminalizam suas ações, como se fosse ele o único responsável por tudo de mau que acontece dentro do condomínio. Um síndico é eleito para administrar os interesses dos condôminos e deve agir sob a supervisão destes. Se não está fazendo uma boa administração deve ser cobrado pelas suas atitudes, se necessário substituído. Com os administradores de um país ocorre a mesma coisa. Eles não são eleitos para resolverem os problemas dos seus eleitores apenas. Devem administrar o país com sabedoria e tolerância aos diferentes pensamentos dos cidadãos que vivem lá. Sem participação efetiva de cada cidadão, sem inteligência, sem conhecimento da história não construiremos uma sociedade realmente justa e progressista. Porém, de nada vale tudo o que foi citado, se esta sociedade estiver desprovida de amor e compaixão. Enquanto existir preconceito de qualquer tipo, tal sociedade estará sujeita ao retrocesso.





 

 

Comentários

  1. Verdade amigo Valdomiro, primeiro devemos analisar com minuncias os fatos comprovando as veracidades, não nos tornando direita ou esquerda, para evitar dessa forma a condução de manipulados, gostei do texto.

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