Confesso que também vivi (Parte 2)

           No inicio da década de 1960 minha família mudou-se do bairro glória, meu paraíso da primeira infância, para o bairro São João, zona norte da capital, na época conhecido por quarto distrito. Era um bairro totalmente diferente, urbanizado, poucas áreas verdes, muitos edifícios, ruas movimentadas, muitos estabelecimentos comerciais e gente para todos os lados.  Foi a primeira afronta real à minha liberdade; uma mudança de hábitos que jamais consegui absorver em meu espírito e, sem que eu soubesse, começou moldar minha rebeldia contra o mundo moderno e grandes cidades.
                       A ponte do Guaíba. Nos pilares da parte levadiça acabei encontrado meu refúgio!

                 Por conta dos negócios; meu pai abandonou o tão querido bairro da Glória; fomos morar na rua Quintino Bandeira esquina com Av. Farrapos. Era um pequeno edifício de esquina, com quatro pavimentos, no térreo existiam meia dúzia de lojas, uma das quais foi alugada por meu pai que instalou sua primeira oficina de eletrônica, em sociedade com amigo dele; o Azambuja, os dois eram colegas de trabalho na então famosa "Importadora Americana", que na época importava dos EUA, equipamentos de rádio e televisão da  marca Zenith. Não sei por que cargas d'água  a empresa faliu! Meu pai e o Azambuja aproveitaram as indenizações e abriram a empresa "Rádio técnica Zenith". Posteriormente meu pai comprou a parte do sócio dele, ficando sozinho no negócio e o nome foi alterado para "TV técnica Zenith". Para mim foi uma mudança radical. Me senti contrariado principalmente pelo afastamento brusco de minha amada Regina Helena. As mudanças fazem parte de nossa vida, este é um fato aceitável... mas foi demais para minha índole pré-adolescente, até então acostumada com muita liberdade. Eu ainda não havia completado nove anos, a cidade de Porto Alegre, começava seus impulsos de crescimento industrial e atraindo muita gente do interior; provocando um rápido aumento populacional, trazendo com isto todos os problemas infra estruturais de um crescimento desordenado. Era também uma época de efervecência política, sob a dinâmica do governo estadual no comando de Leonel Brizola, de quem meu pai era adepto e fã. Não menos importante era o futebol , depois da copa de 58 havia uma expectativa muito grande com a de 62 e o nome de Pelé era falado em todos os cantos da cidade, ricos e pobres falavam dele. Por conta deste progresso os perigos iminentes da violência urbana começavam dar sinais. Foi decidido então que eu não poderia mais ficar solto e sem compromissos. Fui matriculado no colégio São Pedro, uma escola Marista com rígidos princípios de educação, principalmente sob o aspecto religioso. Ficou decidido também que durante o tempo fora do período escolar eu deveria estar na oficina de eletrônica com meu pai, a fim de ajudá-lo e também aprender a profissão. Para alguém com nove anos foi bem difícil assimilar, pois tudo ocorreu repentinamente como em um salto quântico. Um dia eu era livre e apaixonado, no outro cheio de compromissos e solitário!
   A então "Nova estação rodoviária" e o acesso a partir da Av. Castelo Branco ainda em construção

            Custei um pouco a fazer amizades no novo bairro. Os primeiros contatos com meninos dos arredores foram no colégio. Mas havia um problema... O colégio Marista era elitista. Devido ao preço salgado das matrículas e mensalidades, a grande maioria dos alunos pertencia a uma classe média alta ou eram ricos. Embora meu pai possuísse uma certa folga financeira na época, estávamos longe de pertencer a uma elite, materialmente falando. Era um colégio masculino. Naquela época era comum em colégios religiosos, meninas estudavam com as freiras e meninos com os padres. Além disto, devido minha insatisfação com a nova vida, comecei cometer atos de rebeldia mais  contundentes. Isto se refletia muito intensamente na vida escolar. No colégio havia uma imposição muito grande com relação à educação religiosa, da qual eu era refratário. Por não concordar com o que tentavam me impor as encrencas eram constantes. Acho que briguei com todo mundo, com os colegas eu saía no tapa, depois da escola e fora dos redutos dela, na rua, eram cenas incríveis, porque a briga era tratada durante a aula ou no recreio. Quando saíamos para a rua existia uma pequena multidão de crianças e adolescentes que queriam assistir a peleia. Então a turba fazia um círculo e os gladiadores se dispunham, ali no meio, provar quem era o mais forte. Muitas vezes nos machucávamos bastante, mas comecei a me especializar nas brigas. Sempre fui franzino, tipo raquítico, mas era muito ágil. Por sorte, ou por azar, percebi esta característica de agilidade e comecei a me preparar, solitariamente! Cheguei a um ponto que eu brigava com qualquer um, não importava o tamanho do vivente. As brigas ficaram frequentes e muitas vezes já aconteciam dentro do pátio do colégio. Com os padres então... era um caso a parte. Fazia de tudo para perturbar e colocar em prática a paciência cristã de todos eles. Lembro-me do Irmão Rogério, a quem eu chamava de "Rojão" (a boca pequena é claro), pois ele era muito bravo e explodia com facilidade em acessos de raiva. Era professor e também o diretor do colégio. Foi Ele um prato cheio para minhas provocações! A consequência maior em tudo isso era a presença constante da minha mãe na diretoria do colégio, constantemente chamada através de uma caderneta disciplinar, que no meu caso, foi rapidamente preenchida de anotações, de todos os tipos. Mas eram as brigas sempre o principal motivo, embora não faltassem traquinagens.

                    Aeroporto Salgado Filho, Muito frequentado e despertou em mim paixão pela aviação

          Através do colégio comecei a fazer amizades com a turminha do bairro, dois colegas eram também vizinhos no mesmo quarteirão; mas era difícil me integrar a eles, por conta de meus compromissos na oficina. Comecei então a fugir do trabalho, dando desculpas ao meu pai que iria fazer algo importante dentro das minhas atribuições. Uma destas atribuições era cobrar contas. Meu pai fazia muitos atendimentos a domicilio, trabalhava, as vezes, até tarde da noite para consertar aparelhos de tv sem precisar removê-los para oficina, pois eram aparelhos grandes e pesados. Depois eu ia fazer a cobrança dos serviços. Com nove anos eu já conhecia a cidade muito bem e me deslocava, de bonde, para qualquer bairro, fazendo a cobrança ou entregando pequenos aparelhos que ficavam na oficina para conserto. Foram estas saídas a minha válvula de escape para estar junto com os novos amigos. Com o tempo minhas fugas foram descobertas e as represálias eram constantes, mas fiquei firme em meu propósito de me divertir com aqueles amigos. Até que meu pai começou a liberar o sábado e o domingo. No sábado pela manhã havia aula, mas tinham sabor diferente! Sempre gostei de ir para a aula no sábado. Pertinho do colégio havia um posto de bombeiros, com torre de observação e aqueles canos lisos e cromados, pelos quais os bombeiros desciam rapidamente até os caminhões sem precisar usar as escadas. Aquilo para mim e alguns poucos amigos era fantástico. Quase todos os sábados logo depois da aula estávamos por lá, conversando com os bombeiros e nos divertindo com tudo o que havia. Na torre de observação, no alojamento ou nos caminhões. Eramos sempre bem recebidos naquele pequeno quartel. Depois do almoço, a turminha se reunia e o que viesse na ideia era colocado em prática. Tínhamos muitas brincadeiras algumas bem perigosas. Onde morávamos não era tão longe do Guaíba, com frequência nos dirigíamos para as margens dele, as vezes íamos para o porto onde passávamos as tardes adentrando pelos navios ancorados por lá. De alguns eramos expulsos imediatamente logo após a invasão em outros porém os marinheiros recebiam a gurizada com satisfação e mostravam todos os compartimentos do barco, do convés até a casa de máquinas. Embora fossem navios pequenos nos impressionávamos com a engenharia, principalmente com aqueles motores. Com frequência ancoravam por lá navios de guerra da nossa marinha e a visita era obrigatória. Naquelas águas do cais os restos de comida atraíam peixes de várias espécies; aproveitávamos aquela ceva para pescar, Era tão fácil fisgar os bichos que até perdia a graça, Lambaris, Joanas, Jundiás, Pintados, fazíamos fieiras utilizando uma taquarinha fina ou linha grossa, para entalar os pescados; enfiávamos a taquarinha ou a linha de maneira que entrasse pela guelra e saísse na boca; desta forma os bichos iam ficando enfileirados um acima do outro. Íamos embora , no final da tarde, com aquelas imensas fieiras que cada um carregava com certa dificuldade. Nossas mães se incumbiam depois da limpeza e preparo daqueles peixes. Também íamos pescar nas pontes, na ilha da pintada e na ilha grande dos marinheiros. Naquela época a convivência com as pessoas era muito fácil e pelo Guaíba circulavam muitos pescadores com seus caíques (dizíamos caíco), pedíamos a eles carona e eles nos levavam a incríveis lugares de pesca, depois de certo tempo iam nos resgatar. Um dos lugares que mais gostávamos de ir era nos pilares da ponte levadiça. Não sei por qual razão a parte do pilar que ficava dentro d´água era mais grossa, um pouco acima da superfície o pilar era mais fino e formava uma pequena plataforma ao redor da qual ficávamos acomodados com nossas linhas de pescar. Interessante era a confiança que existia naqueles desconhecidos pescadores; nunca houve qualquer incidente ou falha da parte deles em nos resgatar antes que chegasse a noite. 
                Muitas histórias naquele bairro marcaram permanentemente minha memória; como é possível perceber era um mundo apenas de meninos, foram tantas atividades que minha Regina helena ficou no esquecimento. Vivi muitos anos aquelas aventuras. Daria um livro só esta etapa da minha vida, mas foge ao objetivo desta narrativa. Então vou deixar algo que a lembrança traga à tona para momentos específicos, mesmo que fuja da ordem cronológica dos fatos.
                          Tempo em que o porto da cidade recebia muitos navios de pequeno calado

          Tudo mudava rapidamente, em todos os setores. O Mundo estava efervescente; 1961 eclodiu a crise politica causada pela renúncia de Jânio Quadros, uma tentativa de golpe provocou a reação do governo estadual com o movimento da legalidade. Naquele momento Porto Alegre era o centro do mundo. Parecia que  tudo acontecia na minha cidade natal. 1962 começa de forma confusa e polarizada politicamente. Fato que foi atenuado com a conquista do bi campeonato mundial de futebol pela seleção brasileira, que mesmo desfalcada de Pelé e improvisada com um tal Amarildo, no lugar dele, amenizou a fratura política, unindo o povo por algum tempo. Em setembro de 1963, nasceu meu irmão. Eu estava com onze anos de idade e novas responsabilidades me foram atribuídas. Mas gostei! Achei interessante ter alguém tão pequeno sob meus limitados cuidados. Foi nesta época que vim conhecer a pessoa que acabaria sendo a mais especial de todas durante muito tempo. Talvez de toda a minha vida. Hoje ainda guardo preciosas lembranças, embora o destino tenha sido tão cruel. É impressionante como perdemos o controle de tudo quando pensamos ter tudo sob controle! Aprendi esta lição nos tenros anos de minha adolescência.
                  Ela era filha de um casal amigos do meu pai, o Patrício e a Mercedes Garcia, esse na realidade era um nome artístico, pois a Mercedes era assim conhecida no mundo das radio-novelas, jamais fiquei sabendo do nome verdadeiro dela. Talvez por armação do destino Nina Rosa tenha chegado em minha vida para um intenso convívio; parecia que seria eterno! Surgiu como um raio poderoso, rápido e estrondoso e manteve acesa uma chama sagrada que iluminou nossas vidas por muito tempo. Uma poderosa energia nos uniu solidificando de maneira tal nossa amizade que não podíamos mais ficar um longe do outro. Começou na adolescência se prolongou por muitos anos. Permanecendo forte mesmo depois de adultos. Até hoje não compreendi nossa separação! Nós que tanto nos amávamos e tão intensamente vivíamos! Tínhamos praticamente a mesma idade, ela era poucos meses mais velha. Eramos dois seres alegres e risonhos. Foi uma espécie de amor a primeira vista que me fez esquecer todas as emoções amorosas e infantis do meu recente passado. Talvez tenha sido tão lindo por conta da minha própria ingenuidade. Meus primeiros amores eram puramente platônicos e nenhum retorno eu esperava deles. Eram na verdade amores idiotas, fora da realidade, que só poderiam brotar no coração de alguém que não compreendia muito sobre a vida, mulheres e amores. Eram apenas os sentimentos que moviam as forças necessárias para que tudo continuasse de forma adequada. Não tinha como eu saber se estava certo ou errado, se tudo continuaria naquele embalo para sempre. Aliás nem sequer pensávamos no amanhã; tão ocupados que eramos em viver o momento. O outro dia era sempre intenso, aguardando a hora do reencontro. Ninguém e nada poderia nos separar! Estávamos amalgamados, vivíamos em simbiose; dependíamos um do outro. Riamos e chorávamos juntos, debochávamos da tristeza, nos emocionávamos ao extremo! Esquecíamos do mundo! Mais do que isso; criamos nosso próprio mundo; que era dividido apenas nos finais de semana quando eu me juntava com a trupe do bairro e a Nina Rosa não fazia parte daquele grupo. Embora não tenhamos nos isolado das pessoas e de outros amigos, na prática tínhamos um lugar secreto que pertencia somente a nós. Era um mundo tácito, pois não precisava de palavras para expressar o que queríamos. Tudo sabíamos um do outro, tudo compreendíamos e, juntos, espantávamos os fantasmas dos problemas familiares que eram muitos. Foi uma época turbulenta em todos os sentidos. Uma época de surpreendentes colapsos, de encantos e desencantos, de descobertas fantásticas em todos os campos.

                 Mas no amor... ah! no amor tudo era diferente e lindo. Era pura emoção e não haviam grilhões. Era simples... tão simples! Dava a impressão que vivíamos em outro planeta, num mundo de perfeição onde os problemas não nos abalavam. Mas o tempo passa inexoravelmente! Não tem piedade de ninguém. De repente o futuro é o presente e o presente já é passado. O amanhã chega depressa e vem com tanta força cobrar pelos erros cometidos ontem, que nos deixa atônitos e inativos, sem saber exatamente qual rumo devemos dar para a vida. Chega colocando pontos finais, ao mesmo tempo que abre lacunas que parecem nos dar a ilusão que poderemos ali escrever nossa história. Ledo engano... Abrir um novo parágrafo na página da história representa esforços as vezes desumanos. Onde o sofrimento nos leva acreditar que não mais existirão dias bons. Apesar dos pesares a vida continua; continuou para mim e pude experimentar  muitas emoções. Entretanto existem balizas ao longo de nossa existência. A linda amizade que existia entre Nina e Eu, considerada por nós como amor, não envolvia sexo nem erotismo, permitindo que a vida aprontasse de novo; preparando novas armadilhas. Aos catorze anos tive minha primeira e real experiência sexual. Nada programado, nada intencional... a primeira vez não ocorreu com a Nina Rosa. Me nego aqui esmiuçar tais fatos porque nada tem a ver com aquilo que pretendo narrar nesta experiência literária. A primeira vez marca por vários motivos. Primeiro é a novidade em si, mas logo vem o despertar de tantas coisas. Aquilo que antes não parecia ser importante, de repente, toma corpo. E aí meus amigos novamente perdemos o chão da compreensão. O sexo despertou instintos, talvez um tanto selvagens. Não era mais sentimento e emoção na forma que eu estava acostumado vivenciar. Razão se tornou palavra ignorada! A partir desta primeira experiência sexual aquele amor tão sublime que rondava sempre minha alma, começa adquirir amplitudes incalculáveis. Nesta época já não estudava mais com os padres, pois tinha sido gentilmente convidado a sair do colégio, através de comunicação do diretor para meus pais. Tinha ido para uma escola pública. Nesta época já havia eclodido o golpe de 1964; com os militares impondo a ditadura, ainda que disfarçadamente, deixando a vida um pouco mais confusa do que já era. O novo colégio chamava-se Irmão Pedro. Ali comecei conviver com o sexo feminino mais intensamente, pois era um colégio misto. Meu relacionamento com Nina Rosa continuou com a mesma intensidade embora já não ficássemos tanto tempo juntos. Nesta época já convivíamos a, pelo menos, uns cinco anos e houveram mudanças de endereço tanto da família dela quanto da minha. Aliás mudanças de endereço foi o que não faltou em minha vida! . Entretanto alguma coisa mudou com relação aos desejos carnais. Não tinha mais tanto sentimento. 
            Como já tive a oportunidade de comentar, eu tinha um porte físico deplorável. Muito magro, apesar de possuir uma estatura razoável. Estava longe de parecer um Deus Grego ou algum super herói. Logo que entrei para a nova escola comecei a conviver intensamente com meninas, que até então eram poucas em meus relacionamentos. Acho que me encantei por todas as mulheres que conheci naquelas salas de aula e as que pertenciam a outras turmas. Loiras e morenas despertavam de maneira violenta meus instintos primordiais. Uma estranha mistura de amor e desejo que eu não conseguia entender e muito menos administrar. Lembro-me da Eunice com aqueles cabelos pretos tão longos; negros igual aos lindos olhos dela, que tinham um brilho sensual provocante, que me despertava incrível tesão só em fitar. Da Vera Valejos, uma linda morena, de olhos verdes com trejeitos tão meigos, da Deise, a pequenina tão linda que parecia uma bonequinha, da Laíz uma loira estonteante e um tanto vulgar, deixava-se apalpar facilmente, estava sempre sorrindo ou dando esplêndidas gargalhadas que me faziam ansiar aqueles lábios carnudos e sensuais. De certa forma me apaixonei por todas, mas meu erotismo limitava-se apenas no campo da imaginação e dos sonhos... não havia recíproca e eu era tímido demais. Sonhava com elas todas e naqueles devaneios noturnos se realizavam minhas fantasias. Não ousava eu, pela minha timidez, tocar ou mesmo provocar aquelas deusas. Com a Nina entretanto era diferente... Havia amor e emoção, mas não havia desejo, Mais parecíamos irmãos e frequentemente eramos confundidos como tal. Talvez esta espécie de sentimento tenha provocado o final desastroso de tudo muitos anos depois. O tempo de nosso encantamento parecia eterno, Eu queria tão bem minha amiga que queria sempre ser o protetor dela. De estar sempre perto para ampará-la, não percebi que logo ela se tornou mulher, antes mesmo que eu me tornasse homem; eu permanecia ainda um menino bobo. Como poderia eu entender os anseios de uma mulher?
           Nina Rosa era linda. Cabelos castanhos quase negros, olhos que pareciam pérolas negras, vivazes e brilhantes, boca sensual, com lábios tão bem desenhados que só ficavam mais belos quando aquela boca  se entreabria em um sorriso, mostrando os alvos e parelhos dentes, que serviam de ornamento ao que já era perfeito. Tinha um corpo quase escultural e seios fartos que emprestavam à menina a sensualidade de mulher. Eu, talvez por um complexo de inferioridade, estava acostumado, no fim da minha adolescência e início da vida adulta, à rejeição feminina. Não possuía o biotipo que chamasse atenção das meninas. Entretanto os desejos carnais gritavam dentro de mim. Meus anseios tornaram o sexo uma busca constante, mas nunca pensei em Nina Rosa como amante. Nesta ignorância juvenil, não percebi que ela estava apaixonada. Acredito que a timidez dela também a tenha impedido de manifestar os sentimentos de maneira  adequada. Razão pela qual continuamos convivendo harmoniosamente. Embora de forma confusa no que se referia aos sentimentos.
          Quando atingi a maior idade, tive que prestar serviço militar, mas ainda continuávamos ligados por aquele amor da infância. Iniciava-se uma nova década; a dos anos 70.
          A ditadura militar seguia seu fluxo, tentando mostrar algo bom naquilo que era terrível. Prestei serviço militar entre 1971 e 1972, era então presidente do país o General Emílio Garrastazu Médici, que tentou formar uma imagem bonita e simpática de governante, mas na realidade, foi um dos mais terríveis ditadores, perseguidor implacável dos adversários do regime. Legítimo lobo em pele de cordeiro. Mas não vem ao caso a vida do general e sim a lavagem cerebral pela qual passei nestes tempos de mudanças que acabaram reformando também o sistema de ensino. Minha rebeldia anterior havia se aplacado um pouco depois de ter conhecido Nina Rosa. No quartel entretanto houve uma explosão repentina, como se tivesse aflorado um ódio social e revolta pela não aceitação dos fatos, misturando o sentimento de fragilidade, por não poder fazer nada para mudar o status quo. Foi uma época terrível; em pouco mais de um ano de serviço militar fiquei pelo menos metade tempo confinado no quartel. Quando não era por prontidão era por punição. Mas não sei porque motivo aquela farda horrorosa que eu detestava tanto e aquele ridículo cabelo com corte zero, atraía atenção das jovens mulheres e de algumas veteranas também. Foi então um novo período de aprendizagem sexual. Foram experiências tão diversas, algumas tão grotescas que não pretendo narrar. Estas vivência de certa forma exaltaram meu ego. Isso fez com que eu deixasse um pouco de lado meu amor platônico. Não percebi o quanto eu estava machucando o coração de alguém. Nem mesmo me questionei a respeito, porque achava que sentia um grande amor por uma amiga e nada mais. Embora fosse tão querida e admirada eu me sentia livre para fazer o que bem entendesse. Inclusive namorar. Foi aí o estopim de uma bomba que explodiria mais tarde com tremenda intensidade que causaria um longo processo de dor, sofrimentos e desencantos. Mas isto é assunto para depois. Preciso dar tempo a quem está acompanhando assimilar meus pensamentos e sentirem-se como eu me sentia. Só então, talvez, eu possa me justificar pelos erros que cometi.

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