A liberdade de pensar

            Faz algum tempo que assumi a postura de livre pensador. Não foi um processo fácil e rápido, a decisão passou por muitos questionamentos, inúmeras dúvidas e muitas retomadas de posição. Tem sido desde então um caminho difícil, um tanto doloroso para um espírito que busca a pureza da verdade. Precisei abandonar questões culturais e educacionais, enraizadas nas mais profundas entranhas do pensamento. Abandonei dogmas, grupos sociais, instituições políticas e religiosas, uma verdadeira tempestade cerebral. Tudo isto foi necessário porque senti que, pertencendo a determinados segmentos sociais, grupos religiosos ou políticos, minha mente estaria condicionada aos ensinamentos propagados por tais grupos, vedando de certa forma os olhos da alma para horizontes mais amplos e distantes. É um caminho solitário, mas angustia e a dor foram compensadas pela visão mais clara e melhor compreensão dos fatos. Percebi que a verdade não necessariamente é antônimo da mentira, tampouco o “saber” dela  é sinônimo. Descobri que minha ignorância ainda é imensa e que em todo o aprendizado a verdade pode  estar contida, porém envolta em véus de mistérios que impedem a compreensão rápida e fácil, afinal, não existe atalho para chegar à ela. Aprendi a não julgar tão severamente as pessoas apenas pelas informações superficiais dos fatos, muitas vezes distorcidas, que chegam ao meu conhecimento. Não existe uma formula segura para julgar, pois a multiplicidade de aspectos das personalidades e o conflito de ideias bifurcam os caminhos a serem seguidos. 
        A sociedade é formada por pequenos e incontáveis grupos, que começam a ser moldados no ambiente familiar (ou o mais próximo que podemos chegar dele). Os pensamentos e opiniões vão sendo acrescentados pela cultura, pelo histórico da família biológica (ou pela ausência desta), pela personalidade dos indivíduos e pela tipo de educação que cada um recebeu. O tempo unirá sempre aqueles que partilham os mesmos ideais, apesar das diferenças individuais. Se formarão grupos afins, alguns serão combatentes ferrenhos e até opositores maldosos de outros. A divergência será eternamente o motivo da separação ou polarização ideológica entre diferentes grupos sociais. Para julgar é preciso conhecer profundamente as entranhas do pensamento e da realidade grupal, vivenciando suas atitudes, colocando em pratica ações que possam medir as consequências dos atos, a fim de separar o joio do trigo, mas sobretudo, é preciso manter-se isento de preconceitos. Como poderei eu definir qual o melhor lugar para viver, se durante toda a vida vivi em um único e remoto local? Se tudo o que aprendi e sei de outras querências chegaram a mim narrados por bocas desconhecidas, enxergadas por outros olhos e emoções sentidas por outras almas diferentes. Como poderei ter a certeza de qual o melhor regime político, econômico ou social sem ter experimentado os aspectos positivos e negativos de cada um? Tudo, sem exceção, é polarizado. Esta é uma constatação necessária para que se possa analisar o conjunto de uma sociedade e o comportamento de seus líderes.
            Fica evidente que o livre pensar não pode ser apenas uma acomodação, aceitação passiva e sem questionamentos de tudo aquilo que se apresenta diante de nós ou confronta nossos sentimentos e aspirações. É preciso aprofundar-se em si mesmo, vencer o orgulho inerente e ancorado nas profundezas do espírito humano. Se a tolerância é fator relevante e necessário para seguir no caminho do aprimoramento da consciência humana, ela não pode, sob hipótese alguma, ser confundida com inatividade. É preciso exercer o direito natural de expressar a verdade na qual acreditamos, de orientar conforme as próprias convicções, mas possuir mente aberta para aprender enquanto ensinamos. A sociedade  só evoluirá se cada um de seus indivíduos se libertar do egoísmo, que em princípio, é a semente da iniquidade. 
          Só será um líder verdadeiro aquele que tiver seu pensamento voltado para os aspectos conjuntos da sociedade como um todo. A militância deve estar calcada em uma crença, pois seria impossível uma luta sem causa, mas não deve barrar os sentimentos nem a possibilidade de mudanças trazidas por novas ideias ou outros conceitos mais aprimorados. O frutos colhidos, que em última instância, representam o trabalho exercido por um líder e seu grupo, deve primeiro favorecer toda a sociedade para a qual o líder e seu grupo se dispuseram alimentar. Só depois de conquistada a justiça social poderá ser deliberado sobre os direitos individuais. Em outras palavras, os benefícios alcançados individualmente precisam antes ser absorvidos pelo conjunto da sociedade. E se assim não for, sempre existirá exploração do homem pelo homem, a vitória do mais forte, com a imposição unilateral de valores dos mais inteligentes, melhores educados ou mais capazes financeiramente, sobre os desprovidos do intelecto ou da riqueza material. Não se pode como objetivo a igualdade social, porque os indivíduos são diferentes, alías, por isso é que são denominados "indivíduos". Tão pouco a igualdade para todos é resposta adequada para a solução de problemas. O que precisamos é de justiça, de oportunidades compatíveis com cada nível evolutivo de pensamento e espírito. Lutar pela igualdade de direitos e deveres é uma falácia, é o mesmo que organizar uma competição para escalar árvores criando regras iguais para o macaco e para o elefante. Por natureza eles são diferentes, suas características morfológicas, adaptação ambiental, os caminhos evolutivos da seleção natural fizeram deles seres diferentes, completamente opostos, mas não desprovidos do direito de viverem conforme a natureza determinou que vivessem. A natureza não é exatamente uma democracia, tem regras próprias e independentes, na maioria das vezes, tais regras, divergem de nossos desejos e, nem sempre são agradáveis. É perda de tempo ficar pensando em organizar uma sociedade onde todos pensem da mesma forma. Como robôs programados. A sociedade precisa se unir pela força dos sentimentos bons. Os caminhos da evolução passam obrigatoriamente pela solidadriedade, desviando completamente da padronização de ideias e comportamentos.
         Baseado nesta premissa é que manifesto meu total descrédito em uma solução pacífica e definitiva, para os problemas da justiça social através do sistema capitalista. O capitalismo se apoia no egoísmo da meritocracia, na exploração do mais fraco pelo mais forte, na valorização do dinheiro mais do que do trabalho. Lucro e propriedade nem sempre são compatíveis com honestidade e força de vontade. Aliás, o termo capitalismo surgiu em 1753 e foi usado pelo escritor William Makepeace Thackeraye, significando o “estado de quem é rico” ou fazendo referência a quem possui o capital. É uma doutrina dos detentores e controladores das riquezas materiais e cuja a ganância não tem limites. Tal definição se aproxima muito da prodigalidade, existe no sistema um liberalismo questionável, uma tendência que contradiz a razão ultrapassando as doutrinas e dogmas aceitos por uma sociedade que se formou e se consolidou a partir de leis impostas pela natureza. O capitalismo não poderá jamais solucionar as graves questões sociais, primeiro porque ele próprio é o maior fomentador de tais desajustes, segundo porque ele não leva em conta as necessidades naturais do ser humano nem o progresso sustentável, tão pouco considera os anseios particulares de cada ser humano. O sistema força o consumismo. Estamos vivendo uma era de consumo exagerado, muito além das nossas necessidades. Isto se deve principalmente a dois grandes fatores: Primeiro pela engenhosidade do ser humano em criar artefatos ditos de utilidade e desenvolvidos a partir do conhecimento científico, segundo por dispor de uma fonte relativamente barata (porém finita) de hidrocarbonetos que possibilita a produção destes inventos a um custo relativamente baixo. O petróleo é a base de sustentação do mundo moderno. Pois se a sociedade humana estruturou seu alicerce em recursos finitos, como poderá esperar um florescer pleno e duradouro, repleto de frutos distribuídos equitativamente para todos os indivíduos? Um imagem ilustrativa da atual situação mostra que para cada novo barril de petróleo descoberto nós consumimos seis. Este número irá aumentar cada vez mais. Nos dias atuais nós precisamos de quase dois planetas iguais à terra para continuar sustentando nossas necessidades, sem contar a quantidade de lixo produzida. Estamos em uma guerra onde cada um quer acumular mais e mais. As diferenças sociais, pelo menos até o presente momento, não ocorrem por falta de recursos, mas pela má distribuição deles. As pessoas passam fome não por falta de alimento, mas sim por falta de dinheiro para compra-lo. Dentro deste contexto o sistema capitalista irá fomentar cada vez mais estes desníveis, pois ele é factível de crises periódicas, fundamenta-se na comercialização dos recursos naturais em detrimento das necessidades naturais do ser humano. Cada solução implementada visará sempre proteger o capital, gerando cada vez mais instabilidade. O sistema está sustentado por um grupo muito pequeno, detentor da maior parte dos recursos materiais do planeta e controlador de perversos sistemas financeiros, através dos quais ainda consegue manter a ordem e o ritmo do progresso. Tal grupo busca desesperadamente uma ordem mundial submissa, não medindo esforços nem dinheiro para semear propaganda e discórdia. Chegará ao ponto em que o sistema entrará em colapso, pois será impossível equalizar tamanha diferença de pressão. A capa protetora do ambiente capitalista, que é o dinheiro, não resistirá ao aumento, em progressão geométrica, das forças revolucionárias hoje submetidas e contidas dentro desta redoma protetora.  Um dia explode! Tudo se modifica, tudo evolui. Sempre foi assim.
           É preciso que haja uma consciência coletiva e pacífica na busca de um sistema baseado nas reais necessidades humanas. O comunismo apresenta parte desta solução, mas ainda não determina o sucesso. Isto porque a polarização de ideias fechou os grupos sociais e impede uma visão holística dos fatos. A formação de opinião foi comprometida pela tendência e poder que as classes dominantes detêm, pois formar opinião está condicionado à facilidade (ou dificuldade) que se tem para a divulgação das ideias, além da capacidade de dissimulação ou manipulação dos fatos. Isto dificulta, e muito, a homogeneidade do conhecimento coletivo da verdade. Os meios de comunicação tem fator relevante neste processo, mas estão atrelados aos detentores do capital. Portanto não são confiáveis como meio de informação, embora sejam os principais formadores de opinião. Divulgar informações é um negócio e suas regras atenderão às necessidades inerentes a tais negócios. Estamos confinados entre as paredes do preconceito e da comunicação. Vejo isto claramente quando converso com meus amigos, nas publicações em redes sociais, ou em conversações nem sempre amistosas. Embora as pessoas falem de justiça, estejam famintas de amor e caridade, se apresentam como lobos defendendo seus territórios, na maioria das vezes condicionados ou acomodados a certos preceitos, sem levar em consideração que, entre aqueles que pensam ao contrário, pode também haver boas respostas positivas.  A mídia tem sido a principal responsável por este molde. Condicionando pensamentos neste  "Admirável mundo novo". Assim, através da polarização de ideias e a extrema radicalização, é que se apresentam os defensores de qualquer “ismo” existente. Os sistemas estão rotulados. Esquecemos que Marx, Hegel, Locke ou Milton Friedman, entre outros tantos que perpetuaram suas posições sobre economia e política, foram escritores, filósofos, economistas divulgando suas ideias, lutando por elas como se fossem verdade absoluta. Nunca foram governantes. Talvez aí resida a falha em conduzir uma sociedade. A imperfeição, a ganância e a disputa pelo poder modificam a personalidade dos líderes ou dos grupos, acomodando-os aos benefícios que eventualmente possam desfrutar. Neste contexto a política transformou os políticos numa classe social, é óbvio que como classistas, defenderão primeiro seus interesses. É preciso uma nova ordem, um novo conceito, capaz de fugir dos estereotipados e mal aplicados princípios atuais. Me parece que um sistema capaz de manter e suprir as necessidades de uma sociedade tem caráter  que pende para o comunismo, pelo menos naquilo que tange à propriedade burguesa e aos meios de produção. Não poderemos vivenciar uma sociedade justa enquanto existirem diferenças de classes. Sei que serei execrado por muitos por estar expondo este raciocínio, atribuirei isto à falta de compreensão daquilo que penso e pela minha própria incapacidade de transmitir com perfeição através da escrita, tais pensamentos. O mundo já teve experiências importantes, muito satisfatórias, com sistemas que podem ser considerados comunistas. O cooperativismo em sua essência, antes do surgimento do cooperativismo empresarial, os Kibbuts israelitas, os Amish nos EUA. No passado um exemplo de sociedade quase perfeita que foi denominada por Clovis Lugon de “Sociedade comunista cristã dos Guaranis” prosperou bem aqui nas plagas sul-americanas. Uma exemplar sociedade onde não existia propriedade individual, a produção era coletiva e a distribuição do que era produzido se fazia de acordo com as necessidades de cada família. Ao mesmo tempo eram incentivadas as artes e os ofícios, houve o aniquilamento de hierarquias, permanecendo apenas um conselho com poderes de julgar os atos discordantes. Nesta sociedade, que foi capaz de progredir limitando a liberdade individual sem cercear os direitos houve paz e harmonia, mas infelizmente  não resistiu aos insaciáveis desejos da ganância e do poder. Até hoje os Guaranis lutam para preservar e viver de acordo com esta cultura. Estão sendo tragados pelo progresso desordenado e intolerante. Com palavras de ordem como “direitos iguais para todos”, “liberdade de expressão”, “todos são iguais perante a lei” seguimos por um caminho de ilusão. O sistema continua seu ciclo de devastação e iniquidade. 
              Uma sociedade baseada em reais necessidades, acomodada aos recursos naturais, livre do comércio destes recursos, apoiada por uma tecnologia desenvolvida, capaz de sustentar através do conhecimento científico, sem o petróleo, os nossos requisitos de energia, saúde, educação e justiça, haverá de surgir das cinzas do atual modelo. Não se trata de uma previsão apoteótica pós final dos tempos. É apenas uma constatação. A humanidade não conseguiu um período sequer, desde que aprendemos relatar e preservar a memória dos acontecimentos, obter a paz ou a fraternidade universal. Basta dizer que em cinco mil anos de história existem registros de mais de quinze mil guerras. Pior, a maioria das contendas tem caráter religioso, econômico ou uma mistura turbulenta dos dois com a política. Como entender tal fato se as principais religiões pregam a paz, a fraternidade e o amor? Porque tantas guerras se os princípios políticos de cada entidade partidária mundo afora, tem por premissa solidariedade e justiça? É fácil perceber que a falha está no caráter humano, sem perceber, a cada dia, nos tornamos mais materialistas. O dinheiro virou Deus da humanidade e como tal, atuará como alavanca movimentadora das forças mais mesquinhas que residem no espírito humano. Fomentará a discórdia, incentivará o excesso, escravizando o pensamento humano de tal forma que nos impedirá de encontrar a porta de saída de emergência. Qualquer pensamento, ação, ou vontade voltada para a fraternidade será amplamente combatida, difamada e abafada pelos ditos detentores do poder e do dinheiro. Mais forte é este poder de ofuscar a verdade, porque a própria sociedade em sua rota desesperada partiu para o individualismo absorvendo estes conceitos, e luta desta forma (cada um por si) para chegar ao topo. Tudo, absolutamente tudo, o que é iniciado pelo homem, tem como meta final as posses materiais, com o dinheiro sendo o objetivo final. Ninguém se forma (talvez alguns poucos) como médico, engenheiro, físico, ou seja lá qual for a profissão, pensando na contribuição que poderá dar a sociedade. Indiscutivelmente a ideia está fixa no status que poderá ser atingido através desta ou daquela profissão. Isto, ao meu ver, é uma prática egoísta e destrutiva que está moldada, enraizada e fomentada na marcha atual da humanidade. É veneno lento, que está matando a possibilidade real de evolução da raça humana. 

              Não são poucas as vozes que ecoam pelo planeta, tentando fazer as pessoas compreenderem esta necessidade de mudança. Precisamos estar alerta para estes chamados, buscar a razão de cada fato, compreender as motivações, interpretar as entre linhas das questões. Não existem soluções fáceis no atual contexto, mas o descrédito total nas respostas, o preconceito ou o simples abandono de causa só trará malefícios maiores. Ainda é possível mudar o rumo buscando coletivamente um novo horizonte. Não é preciso que haja um colapso final para que se possa reconstruir a partir das cinzas o sonho da perfeição. O momento ainda é propício para mudanças, justamente porque existe muita insatisfação. É hora de se deixar os polarizados interesses individuais, partidários ou financeiros, para se pensar naquilo que realmente é importante e necessário à vida e para a sociedade. É preciso vencer a ilusão das posses materiais, buscando a compreensão da origem e das infinitas possibilidades universais. Através da integração profunda do homem com a natureza, do posicionamento da sociedade humana, não como habitante do planeta terra, mas restrita a um pequeno ponto do universo, tão infinitamente pequeno, minúscula parte do todo, mas dele não pode ser separado. É preciso ansiar pelo conhecimento, desenvolver a capacidade humana da solidariedade e da inteligência para que se possa viver plenamente, em uma sociedade justa e comprometida com o real e verdadeiro progresso, que é o progresso do espírito humano na eternidade dos tempos. 

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